Revisão e atualização dos curativos usados em queimaduras

Review and update of dressings used for burns.

Fabieli Helena Paulo Comeira de Lima1, Michelly da Silva Nascimento de Farias1,
Maria Cristina do Valle Freitas Serra2, Eduardo Costa Teixeira3
1 Discente de Medicina da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro
2 Médica pediatra, especialista em Queimaduras. Hospital Federal do Andaraí, Rio de Janeiro, Brasil.
3 Médico especialista em Cirurgia Plástica. Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Rio de Janeiro, Brasil.

Contato:
Fabieli Helena Paulo Comeira de Lima – E-mail: fabielihelena@gmail.com – Telefone: +5521996227278
Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG -UNIRIO)
R. Mariz e Barros, 775 – Maracanã, Rio de Janeiro – RJ, 20270-004

Os autores declaram não ter recebido qualquer financiamento ou subvenção para apoiar a
investigação e preparação deste trabalho, e, não possuem declarações de possíveis conflitos
de interesse.

Resumo da apresentação realizada para defesa do trabalho de conclusão de curso da
graduação de Medicina, realizada no dia 19 de julho de 2024, no Rio de Janeiro, Brasil.


Resumo

Este estudo fornece uma revisão abrangente e atualizada sobre os curativos usados no tratamento de queimaduras. Ele aborda a diversidade de curativos disponíveis, analisando sua eficácia e adequação com base nas características específicas das feridas por queimaduras e na dinâmica do processo de cicatrização. Foi realizada uma revisão bibliográfica utilizando bases de dados como MedLine, ScieLo e a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) para artigos publicados entre 2019 e 2024, com foco em estudos de alta evidência, como ensaios clínicos randomizados, meta-análises, ensaios clínicos e revisões sistemáticas. De uma seleção inicial de 137 artigos, 19 foram analisados para compilar esta revisão. O estudo destaca a eficácia de diferentes tipos de curativos, incluindo curativos de origem natural, curativos à base de materiais inorgânicos e novas tecnologias no cuidado de queimaduras, como terapias à base de nanopartículas e fechamento assistido por vácuo. As descobertas enfatizam a importância de uma abordagem individualizada e baseada em evidências para selecionar o curativo mais apropriado a fim de otimizar os resultados clínicos e melhorar a qualidade de vida dos pacientes queimados. Pesquisas adicionais e avanços tecnológicos são cruciais para melhorar as práticas de tratamento de queimaduras e garantir acesso a cuidados de alta qualidade, especialmente em ambientes com recursos limitados.

Palavras-chave: Queimaduras, curativos, cuidado de feridas, cicatrização, revisão, Tecnologia no tratamento de queimaduras.

Abstract

This study provides a comprehensive review and update on the dressings used in burn treatment. It addresses the diversity of available dressings, analyzing their effectiveness and suitability based on the specific characteristics of burn wounds and the dynamics of the healing process. A literature review was conducted using databases such as MedLine, ScieLo, and the Virtual Health Library (BVS) for articles published between 2019 and 2024, focusing on high-evidence studies like randomized clinical trials, meta-analyses, clinical trials, and systematic reviews. From an initial selection of 137 articles, 19 were thoroughly analyzed to compile this review. The study highlights the effectiveness of different types of dressings, including natural origin dressings, inorganic material-based dressings, and new technologies in burn care, such as nanoparticle-based and vacuum-assisted closure therapies. The findings emphasize the importance of an individualized, evidence-based approach to selecting the most appropriate dressing to optimize clinical outcomes and enhance the quality of life for burn patients. Further resesarch and technological advancements are crucial for improving burn treatment practices and ensuring access to high-quality care, especially in resource-limited settings.

Keywords: Burns, dressings, wound care, healing, review, technology in burn treatment.


Introdução
No âmbito do tratamento das queimaduras de espessura parcial, têm sido amplamente utilizados e estudados os curativos biossintéticos. Paralelamente, há uma vasta gama de curativos não biológicos disponíveis, que apresentam capacidade absortiva, tais como os curativos com hidrocolóide e hidrogel, bem como curativos não absortivos, como os curativos de náilon revestidos com silicone (1).
Dada a complexidade inerente ao tratamento de queimaduras, a seleção do curativo ideal exige uma compreensão aprofundada das características e necessidades específicas de cada tipo de lesão. Os curativos desempenham um papel crucial na proteção da ferida, controle da exsudação, prevenção de infecções e promoção da cicatrização. No entanto, a diversidade de opções disponíveis, como hidrocoloides, hidrogéis, alginatos, espumas, curativos com prata, biológicos e biossintéticos, cada um com suas propriedades únicas e indicações particulares, pode tornar a escolha desafiadora. A prática clínica é orientada por diretrizes internacionais, como as fornecidas pela Sociedade Internacional para Cuidados de Queimaduras (ISBI), que recomendam
uma abordagem individualizada e baseada em evidências para a seleção de curativos, com o objetivo de otimizar os resultados e melhorar a qualidade de vida dos pacientes (2).
À luz do que foi apresentado, observa-se que, apesar da ampla variedade de curativos disponíveis no mercado para o tratamento de queimaduras, ainda persistem divergências quanto à escolha apropriada, em decorrência das particularidades de cada ferida e da dinâmica do processo de cicatrização das queimaduras.

Método
Diante desse cenário, o presente estudo adotou uma abordagem de revisão bibliográfica, realizada com o objetivo de avaliar as evidências disponíveis sobre métodos de curativos em queimaduras. Para tanto, foi feita uma busca bibliográfica nas bases de dados MedLine (Medical Literature Analysis and Retrievel System Online), ScieLo (Scientific Electronic Library Online) e na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Os descritores utilizados para a pesquisa foram: “burn”, “dressing” e “bandage”.
Os critérios de inclusão definidos foram artigos escritos em português e inglês, publicados no período de 2019 a 2024. Além disso, foi dada prioridade aos estudos que se classificavam como ensaios clínicos randomizados, meta-análises, ensaios clínicos, revisões e revisões sistemáticas, considerando-os como de alto valor evidencial para o tema em questão.
Inicialmente, a busca resultou em um total de 137 artigos. A seleção inicial consistiu na leitura dos resumos (Abstract), sendo selecionados 40 artigos que tinham a proposta estabelecida neste trabalho. Após isso procedeu-se com a análise e leitura individual dos artigos. Alguns não encontravam-se disponíveis na íntegra de forma gratuita e foram excluídos. Após isso, restaram 19 artigos, os quais foram lidos na íntegra e estudados para compor esse trabalho de revisão bibliográfica. No fluxograma abaixo (Figura 1) estão os artigos selecionados com a relação dos autores e as informações principais abstraídas.

Figura 1 – Seleção dos artigos para composição do trabalho

Fonte: Elaboração própria.

Resultados

A análise dos artigos selecionados focou em identificar as metodologias de curativo mais eficazes para tratamento de queimaduras, comparando resultados, discussões e conclusões apresentadas pelos estudos. Esta revisão buscou reunir as evidências mais recentes e relevantes, de modo a oferecer uma base sólida de conhecimento que possa ser aplicada em práticas clínicas relacionadas ao tratamento de queimaduras. Foram analisados um total de 19 estudos, abrangendo diversos tipos de curativos e diferentes graus de queimaduras. Quanto à regionalidade dos artigos, observou-se grande heterogeneidade na origem dos trabalhos. Os artigos analisados se distribuem da seguinte forma: 4 artigos produzidos na China, 3 artigos produzidos em Portugal e no Brasil, 2 artigos de origem austríaca e outros 2 de origem polonesa, por fim, Irã, Taiwan, África do Sul, Romênia e Suíça produziram 1 artigo cada. Com quatro artigos, a China se destaca como um país com significativa produção de pesquisa sobre curativos para queimaduras. Isso pode refletir um forte investimento em pesquisa e desenvolvimento nessa área específica da medicina. Destaque também à Polônia, Áustria, Portugal e Brasil que demonstraram presença notável na literatura, com 2 a 3 artigos cada. Isso pode indicar centros de excelência ou grupos de pesquisa dedicados ao estudo e inovação em tratamentos para queimaduras nesses países (3). Com relação a variedade de desenhos de estudo, incluindo revisões bibliográficas (58%), ensaios clínicos randomizados (21%), revisões sistemáticas (16%) e estudo observacional (5%).

Quadro 1 – Descrição dos artigos incluídos na revisão: autores, título, ano, revista, objetivo, método e resultados


Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.

As lesões por queimaduras são complexas e podem evoluir de lesão aguda para crônica. A quebra da integridade epitelial e a ativação do sistema imune gerada pela queimadura torna a lesão suscetível à invasão microbiana e o favorecimento da infecção da ferida. A infecção, por sua vez, é a complicação mais comum decorrente das queimaduras. Outras complicações comuns são formação de escaras, cicatrizes e contraturas. Diante disso, a meta inicial para a cicatrização da ferida por queimadura é prevenir e/ou tratar a infecção, e, outras complicações decorrentes (2). O curativo é a alternativa mais comumente usada pois serve de cobertura temporária para o leito da lesão, protegendo contra injúrias e contaminações, além de promover a cicatrização da ferida. Até o momento, não foram desenvolvidos e implementados em larga escala curativos ideais para queimaduras que permitam a cicatrização completa sem a necessidade de intervenções cirúrgicas ou cuidados diários (troca de curativos) (4, 5).

Cientistas seguem em busca do padrão ouro no tratamento de queimaduras, visando não apenas melhorar e acelerar significativamente o processo de cicatrização, mas também prevenir possíveis infecções. A chave para um tratamento eficaz é a limpeza imediata da ferida após a exposição a um agente externo. Esta tarefa pode ser realizada por meio de métodos cirúrgicos, que envolvem a remoção do tecido necrótico, ou de métodos conservadores, que utilizam curativos especializados úmidos, como hidrogéis, hidrocolóides ou hidrofibras, além de limpeza mecânica ou enzimática (4,6).

Uma pesquisa online foi realizada com profissionais em tratamento de queimadura de 49 países ao redor do mundo a fim de identificar as propriedades ideais de um curativo para ferimento por queimadura. As informações identificadas foram: propriedades não adesivas ao leito da ferida, fácil aplicação e remoção sem dor; possuir alguma propriedade antibacteriana e alta capacidade absortiva; o fator disponibilidade em variados tamanhos e formatos também foi identificada como favorável; além de ter a capacidade de promoção de um microambiente favorável à cicatrização (3, 7),

Figura 2 –  Características ideais de curativos em queimaduras.

Fonte: Elaboração própria com base no trabalho de Goh et al (2024) (4).

Existem diversas opções de curativos para queimaduras disponíveis no mercado, cada uma com suas particularidades e indicações específicas. Entre as mais utilizadas atualmente estão os curativos de sulfadiazina de prata, hidrogéis, hidrocoloides, hidrofibras, polímeros naturais e sintéticos, curativos biológicos irradiados, enxertos acelulares de pele de peixe e curativos à base de nanomateriais. A escolha do curativo depende de vários fatores, incluindo o grau da queimadura, a idade do paciente e a localização da lesão (8).

Para queimaduras de primeiro grau, que afetam apenas a camada superficial da pele, curativos simples, como hidrogéis, são frequentemente indicados para manter o ambiente úmido e aliviar a dor. Queimaduras de segundo grau, que envolvem a epiderme e a derme, geralmente requerem curativos mais avançados, como hidrocolóides ou hidrofibras, que ajudam na absorção do exsudato e facilitam a cicatrização. Em casos de queimaduras de terceiro grau, que danificam todas as camadas da pele e tecidos subjacentes, são necessários curativos especiais, como enxertos acelulares de pele de peixe ou curativos biológicos irradiados, para promover a regeneração tecidual e prevenir infecções (4, 9).

1. Curativos de origem natural

Nos artigos estudados é falado sobre os biopolímeros, materiais biodegradáveis derivados de fontes naturais – plantas, animais ou microrganismos. Possuem propriedades interessantes para o manejo de feridas como boa biocompatibilidade, não toxicidade, biodegradabilidade, disponibilidade pronta e não imunogenicidade. Esses polímeros são geralmente reticulados com polímeros sintéticos, como poli (2-hidroxietil metacrilato) (PHEMA), álcool polivinílico (PVA), poliuretanos (PUs) e poliésteres.  Devido a sua composição pode sofrer interações em ambientes fisiológicos que
alteram sua propriedade físico-química e seu comportamento de forma geral (10).

Apesar de suas vantagens, o uso de biopolímeros em curativos enfrenta desafios, como o risco de transmissão de doenças, devido à sua origem natural (11). A fim de contornar as limitações e falhas encontradas, numerosas modificações químicas foram desenvolvidas (12, 13).

Acerca das formulações de origem natural à base de quitosana e celulose, sabe-se que a quitosana é um polímero derivado da quitina e apresenta propriedades hemostáticas, antimicrobianas favorecendo a cicatrização. A celulose, por sua vez, é utilizada em várias formulações como hidrogéis, filmes e nanofibras, oferecendo suporte estrutural e um ambiente úmido favorável à cicatrização (14).

Alguns pesquisadores desenvolveram hidrogéis à base de quitosana, que são termicamente estáveis, biodegradáveis e sensíveis ao pH, com potencial para uso no tratamento de feridas. Esses hidrogéis apresentaram uma capacidade de inchaço que variava com o pH e exibiram eficácia antibacteriana contra a Escherichia coli. A atividade antibacteriana é atribuída à interação da quitosana com a membrana plasmática da bactéria. Além disso, a quitosana se liga ao DNA bacteriano, inibindo a transcrição e a tradução. A formulação de hidrogéis à base de quitosana e celulose demonstrou fornecer propriedades únicas que são atraentes para o desenvolvimento de curativos de feridas, incluindo excelente capacidade hemostática e efeitos antibacterianos, disponibilidade de vários tipos de grupos funcionais que podem ser usados para sua modificação, adesividade, alta biocompatibilidade e características excepcionais de cicatrização de feridas (12, 14).

No estudo conduzido por Jialin (2023) foi realizado um ensaio clínico em que o grupo controle foi tratado com cobertura úmida e a ferida coberta com curativo biológico úmido contendo íons de prata e gaze estéril e o grupo de estudo foi tratado com compressa úmida combinada ao curativo de quitosana. Os curativos dos grupos foram trocados uma vez ao dia nos primeiros 3 dias e uma vez nos dois dias seguintes. O ciclo de tratamento normalmente durava de 3 a 4 semanas. A cada troca, toda a limpeza era realizada novamente. As variáveis de análise foram o tempo de cicatrização, a porcentagem de cicatrização da ferida e o escore de dor, além das taxas de eventos adversos e detecção de infecção nos exsudatos. Os resultados demonstraram que os curativos de quitosana reduziram o tempo de cicatrização e incidência de infecções, além de diminuir a dor e a formação de cicatrizes (15).

Um biopolímero estudado na revisão de literatura, foi a celulose bacteriana, que é produzida por bactérias com características vantajosas em relação a celulose vegetal como pureza, alta porosidade, permeabilidade a líquidos e gases, elevada capacidade absortiva de água. A celulose bacteriana (CB) apresenta uma rede reticulada única de fibras finas com diâmetro 100 vezes menor que de outras fibras derivadas de plantas. Algumas características particulares incluem o fato de ser não-tóxico, não-carcinogênico e biocompatível, além da sua capacidade de reter umidade, absorver exsudatos e acelerar a granulação tecidual (16-18). Uma das características do material que altera a capacidade absortiva é a porosidade. Sabe-se que uma maior porosidade aumenta a retenção/liberação de água e essa modificação pode ser alcançada através de alterações sintéticas da celulose bacteriana como a adição de um agente secundário. Uma opção de agente secundário é a quitosana, um componente altamente hidrofílico já citado nesse trabalho, que se associado a celulose bacteriana pode absorver grande quantidade de água mesmo com a porosidade reduzida (16).

Outra combinação também tem sido estudada, celulose bacteriana com filmes de alginato. Foi verificado que essa associação forma uma estrutura nanoporosa e ajuda a reduzir o diâmetro dos poros, mas com aumento da capacidade de absorção de água (16, 17). Outra base natural para curativos citada nos artigos estudados foi o mel, uma substância produzida por abelhas e rica em flavonoides, ácidos fenólicos, ácido ascórbico, tocoferóis, catalase (CAT), superóxido dismutase (SOD), glutationa reduzida (GSH) e peptídeos (19). No tratamento de queimaduras, o mel oferece várias vantagens: cria um ambiente úmido, preserva a integridade da superfície queimada sem aderir a ela, e atua como uma barreira bacteriana, prevenindo contaminações cruzadas.

Quadro 2 – Visão geral dos curativos de origem natural e de origem inorgânica

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.

Uma cobertura citada foi o creme de ácido hialurônico (AH) 0,2% sendo muito indicada para regeneração cutânea. Alguns resultados mostram que esse efeito do ácido hialurônico seria associado a ação dos neutrófilos, crescimento da motilidade celular e favorecimento da angiogênese. Além disso, se mostrou especialmente efetivo para lesões de face ao favorecer o aparecimento de tecido de epitelização, levando a uma alta mais precoce (9, 20).

Outro material muito usado e estudado no campo das queimaduras é o alginato, um polissacarídeo iônico muito utilizado no desenvolvimento de materiais para curativos, principalmente devido a sua eficácia para cicatrização de feridas. O alginato pode ser usado em diversos tipos de materiais como espumas, gazes e fibras. Ele ainda favorece o caráter hidrofílico de algumas coberturas criando um microambiente mais úmido (21, 22). Esse tipo de curativo é indicado para feridas muito exsudativas, pois ao entrar em contato com o exsudato, o alginato forma géis que são mais facilmente removidos. A formação desses géis é explicada pela troca iônica de íons de cálcio da fibra de alginato, com os íons de sódio do exsudato. Os íons de cálcio ainda ativam a protrombina na cascata de coagulação, ajudando também no hemostasia (21, 23). Como o alginato necessita de umidade para sua ação efetiva, seu uso não é indicado no tratamento de feridas secas ou com tecido necrótico, pois poderiam dificultar o processo de cicatrização ao desidratar a ferida. O alginato necessita ainda de curativo secundário e a periodicidade de troca é em até 1 semana ou até que o gel perca a viscosidade. Como é um curativo solúvel, sua remoção pode ser com irrigação salina, fazendo com que as trocas sejam um procedimento sem dor (21). Na medicina popular, são utilizadas plantas para o tratamento de queimaduras: Aloe barbadensis Mill (babosa) e Symphytum officinale (confrei), que possuem ação cicatrizante e são utilizadas geralmente in natura, como cataplasma ou decocção. Ambas são reconhecidas pelo Ministério de Saúde e disponibilizadas na rede pública, constando na Lista de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira (11, 24, 25).

Por fim, alguns ácidos graxos essenciais (AGE) têm sido usados na prática preventiva e para o tratamento de feridas. O ácido linoleico e o ácido linolênico são os ácidos graxos mais importantes para o tratamento de feridas, e produtos à base de AGE podem conter um ou ambos, além disso, possuir vitaminas A e E, e lecitina de soja (11, 26).

2. Curativos de origem inorgânica

Alguns materiais inorgânicos usados para aplicações médicas incluem minerais (como argilas minerais, zeólitos), materiais contendo metais (como prata, cobre, óxido de zinco), fosfatos e derivados do carbono. A sulfadiazina de prata é um curativo tópico muito usado que tem a capacidade de inibir a reprodução bacteriana, no entanto essa habilidade tem sido reduzida devido ao desenvolvimento de resistência bacteriana ao produto. A fim de superar isso, uma nova classe de curativos têm se desenvolvido baseado na cicatrização úmida de feridas, e na liberação dinâmica de íons de prata – capazes de resistir às bactérias e prevenir infecções. Essa cobertura é composta por carboximetilcelulose sódica e componentes da prata. É um curativo de hidrofibra que tem a capacidade de absorver até vinte e cinco vezes seu próprio peso de líquido, e converter o líquido exsudado absorvido em gel para evitar que o exsudato afete a cicatrização da ferida (27).

Quadro 3 – Visão geral dos curativos com a tecnologias de nanopartículas

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.

Uma análise comparativa indicou que o uso de curativos de hidrofibra de prata em pacientes com queimaduras resulta em uma recuperação mais rápida, com um aumento na taxa de cicatrização das feridas, redução nos níveis de TNF-α, e menor frequência de troca de curativos quando comparado ao tratamento com sulfadiazina de prata (27, 28). A lesão inicial pode desencadear uma resposta inflamatória aguda, caracterizada pela síntese e liberação de interleucina-6, TNF-α, e outros fatores inflamatórios, responsáveis por danos imunológicos significativos e sensação de dor, além de prejudicarem as células do endotélio vascular, interferindo no processo de cicatrização e aumentando o risco de infecção. Os curativos de hidrofibra de prata iônica, no entanto, liberam íons de prata de forma sustentada, mantendo uma concentração alta o suficiente para garantir uma ação bactericida prolongada e mais efetiva, além de uma capacidade anti-inflamatória reforçada, o que minimiza o risco de infecções.

O estudo realizado por Biswas et al. (2018) produziram scaffolds porosos de quitosana/PVA associado aos metais selênio e prata por um método de deposição in situ, carregados com prata (Ag) ou selênio (Se) para serem usados em curativos para feridas. Os scaffolds carregados com prata apresentaram forte atividade bactericida contra Staphylococcus aureus (gram-positiva), Escherichia coli (gram-negativa) e Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), mas causaram citotoxicidade em fibroblastos. Os scaffolds carregados com selênio mostraram atividade membranolítica contra as mesmas cepas bacterianas, mas não foram tóxicos para os fibroblastos (29, 30).

Ainda sobre as inovações com materiais metálicos, Kaygusuz et al. (2017) compararam as propriedades antibacterianas de filmes de alginato reticulados com cério (III) (filmes Ce) e filmes de alginato reticulados com cério (III)-quitosana (filmes Ce-Chi), com filmes convencionais de alginato de cálcio, contra Escherichia coli e Staphylococcus aureus. Os resultados mostraram que os filmes reticulados com cério e cério-quitosana apresentaram maior atividade antibacteriana do que os filmes com cálcio, sugerindo que esses filmes sejam usados em curativos antibacterianos para feridas (29, 31).

3. Nanopartículas

A tecnologia de nanopartículas (NPs) tem sido muito estudada nos últimos anos devido ao potencial de melhorar a entrega transdérmica de medicamentos e agentes terapêuticos. A interação das nanopartículas com a pele e sua meia-vida no local de ação, é determinado tanto pelo grau de injúria da pele, quanto pelo tipo e tamanho das nanopartículas (31). O nanocarreador ideal para a administração tópica de medicamentos em feridas cutâneas deve ser biodegradável, não tóxico e não imunogênico, além de possuir a capacidade de liberar o medicamento de maneira controlada. Apesar das outras variantes que interferem, o pequeno tamanho (1-100 nm) favorece a melhor penetração das substâncias em feridas (4, 31).

A forma de hidrogéis controla a liberação de medicamentos, mas podem acabar liberando rapidamente. Já as NPs permitem liberação controlada e sustentada, protegendo os agentes de proteólise intensa na ferida, isso melhora a bioatividade e a biodisponibilidade nos tecidos locais. Portanto, hidrogéis carregados com NPs são uma estratégia eficaz para prevenir e tratar infecções de feridas e promover a reepitelização (32).

As nanopartículas de metais e óxidos metálicos têm sido amplamente pesquisadas. A incorporação de nanopartículas de prata (AgNPs) em hidrogel supera os problemas de segurança e eficácia associados ao hidrogel que incorpora íons de prata. Ao incorporar AgNPs, o hidrogel pode alcançar uma liberação prolongada e controlada das nanopartículas no tecido da ferida segundo Bai et al. (2022). Além disso, devido ao seu pequeno tamanho, as nanopartículas de prata têm melhor capacidade de penetração em feridas profundas em comparação com os íons de prata (33). Um estudo que analisou prontuários médicos de crianças de zero a 14 anos, com traumas por queimaduras evidenciou que os curativos de prata nanocristalina e aqueles associados à interface não traumática da ferida e da espuma absorvente foram melhores do que os da sulfadiazina de prata (11, 34). Outro estudo recente testou o uso compósito de celulose bacteriana, nanopartículas de prata e antibióticos (amicacina e ceftriaxona) em curativos para queimaduras obtendo eficácia inibitória contra patógenos, sem dificultar o crescimento de células epidérmicas (16, 35). Os compósitos de nanopartículas de ouro com celulose bacteriana (CB) mostraram uma eficácia superior à maioria dos antibióticos contra bactérias gram-negativas, ao mesmo tempo em que preservaram propriedades físico-químicas importantes, como capacidade de absorção de água, alta resistência mecânica e biocompatibilidade. O amplo espectro antibacteriano desses compósitos, juntamente com a boa retenção de umidade, os torna um excelente material para curativos de feridas segundo Li et al. (2017) (16, 36).

O estudo de Han et al. (2019) analisou a adição de nanocargas de ZnO (óxido de zinco) ao curativo de espuma. Observou-se que os curativos obtidos possuem morfologia para manter o ambiente adequado na interface ferida-curativo e ainda demonstraram baixo potencial citotóxico associado a eficácia contra bactérias gram positivas e negativas (37).

4. Terapia à vácuo

A Terapia de Pressão Negativa em Feridas (TPN), também conhecida como
fechamento assistido por vácuo (VAC), é uma técnica terapêutica usada para promover a cicatrização de feridas agudas ou crônicas e melhorar a cicatrização de queimaduras de segundo e terceiro graus. A terapia envolve a aplicação controlada de pressão subatmosférica ao ambiente local da ferida, usando um curativo selado conectado a uma bomba de vácuo (38).

Em uma das revisões selecionadas foram analisados seis estudos que incluíam um total de 701 pacientes que atenderam aos critérios de inclusão. Os desfechos, como a taxa de adesão do enxerto na primeira semana, a taxa de infecção e a taxa geral de complicações, foram observados. Os resultados indicaram que a terapia por pressão negativa é um método seguro para estimular a cicatrização e reduzir a taxa de infecção de feridas de queimadura (38).

Alguns dos pontos importantes sobre como a TPN afeta a cicatrização de feridas é através da remoção de fluidos, a TPN consiste em um curativo de ferida selada que é conectado a uma bomba de vácuo. Esta bomba suga o fluido da ferida, o que pode ajudar na cicatrização e reduzir o risco de infecção. Essa terapia ainda pode acelerar o processo de cicatrização de feridas, reduzindo assim o tempo de tratamento, além de reduzir a incidência de infecção da ferida operatória em feridas cirúrgicas com encerramento primário (38, 39). Seus modos de aplicação podem variar, existindo o modo intermitente, no qual a pressão negativa é repetidamente ligada e desligada por um período de 24 horas. Por fim, o método da terapia de pressão negativa pode ser combinado com outros tratamentos, como enxertos de pele de espessura parcial ou matrizes dérmicas acelulares porcinas (ADM), para melhorar a eficácia do tratamento (39). Outras ponderações sobre os benefícios da terapia por pressão negativa é a capacidade de melhorar a revascularização, aderir ao curativo de silicone ao leito da ferida e, eventualmente, melhorar a adesão do enxerto de pele (38-40).

A terapia de pressão negativa é sugerida para diminuir a taxa de infecção por vários motivos. Primeiro, para o cuidado da ferida, os sistemas TPN reduzem a frequência de curativos, expondo menos o local da ferida. Além disso, pode proporcionar um ambiente de cicatrização positivo ao remover inibidores de cicatrização, como Metaloproteinasas no exsudato da ferida, e limpar microorganismos, promovendo uma melhor circulação microvascular para diminuir a colonização bacteriana (41).

Na revisão conduzida por Silva et al. (2020) foi ressaltado o potencial da terapia por pressão negativa no tratamento da contratura cicatricial, que além de proporcionar melhor taxa de sucesso da cicatrização, fornece a vantagem do paciente não precisar ficar imobilizado após as cirurgias, devido ao risco de perda do enxerto, isso porque a pressão negativa promove estabilidade das estruturas abaixo desse curativo (42, 43).

Quadro 4 – Visão geral das novas tecnologias em curativos para queimadurasFonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.

5. Terapia larval

Nos últimos anos, as terapias biológicas têm ganhado destaque no tratamento de feridas por queimaduras, sendo amplamente estudadas para uso clínico potencial. A terapia de desbridamento com larvas de Lucilia Sericata tem se mostrado benéfica no manejo de várias feridas crônicas, incluindo úlceras diabéticas e escaras, com evidências de eficácia em ensaios clínicos (44, 45). A literatura sugere que a terapia larval pode limpar as feridas mais rapidamente em comparação com os tratamentos convencionais, estimulando o processo de cicatrização, desbridando tecido necrótico e eliminando infecções bacterianas, especialmente as espécies de MRSA (46).

Em um dos estudos selecionados foi conduzido uma análise comparativa em um hospital especialista em queimadura no Irã entre 2018 e 2020, comparando o tratamento para queimadura de 3º grau usando a terapia larval e o tratamento convencional para queimaduras de espessura total. Nele observou-se que o grupo tratado com larvas mostrou uma redução significativa na necrose já nos dias 2 e 4 de tratamento, com resultados estatisticamente significativos. Além disso, a formação de tecido de granulação foi significativamente maior nesse grupo, favorecendo a terapia larval sobre o tratamento convencional, com a razão granulação/necrose apresentando um aumento considerável conforme o avanço do tratamento. Quanto ao tempo até o desbridamento e até a cicatrização, foram significativamente menor no grupo submetido à terapia larval em comparação ao tratamento convencional. Entretanto, não foram identificadas diferenças significativas em relação à contaminação bacteriana entre os dois métodos de tratamento, indicando que a eficácia da terapia larval se destaca sem aumentar o risco de infecção (44).

Outros estudos demonstraram que, além do desbridamento e da limpeza de infecções, o secretoma das larvas de L. sericata induz a proliferação celular e o remodelamento tecidual por meio do aumento dos níveis de expressão do gene do fator de crescimento transformador (TGF)-β, uma citocina envolvida no processo de cicatrização de tecidos, que em maiores níveis favorece a formação do tecido de granulação (47).

6. Xenoenxerto com pele de peixe

Atualmente o campo dos xenotransplantes têm se desenvolvido em larga escala. Os xenotransplantes usados são enxertos de pele acelular colhidos de duas espécies diferentes: Tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus) e Bacalhau do Atlântico do Norte (Gadus morhua). Enquanto o enxerto de pele da Tilápia do Nilo pode ser exclusivamente usado em regiões tropicais ou subtropicais do mundo, os curativos desenvolvidos a partir da espécie Bacalhau do Atlântico Norte estão disponíveis mundialmente e foram inicialmente aprovados para o tratamento de várias feridas pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA  (US Food and Drug Administration)  em 2013 (48).

Os enxertos de pele de peixe acelular contém colágeno, fibrina, proteoglicanos e glicosaminoglicanos, agindo portanto como um substituto da pele. Diferente dos enxertos acelulares de mamíferos, os enxertos de pele de peixe não apresentam o risco de carregar e transmitir doenças e podem ser submetidos a um processo mais simples de esterilização mantendo uma fonte de gordura ômega-3 (49, 50). Alguns estudos evidenciam que ácidos graxos poliinsaturados ômega-3, ácido eicosapentaenóico e docosahexaenoico, que são abundantes na pele dos peixes, reduzem as respostas inflamatórias e promove citocinas pró-inflamatórias que promovem a cicatrização de feridas (50).

O estudo conduzido por Lima Junior et al. (2020), compara o tempo de cicatrização dos tratamentos convencionais aos métodos alternativos com pele acelular do peixe Tilápia do Nilo. Concluindo que o método com pele acelular era capaz de reduzir cerca de 1,43 dias em pacientes ambulatoriais, e 1,14 dias em pacientes internados. Esse estudo também avaliou o grau de dor relacionado a cobertura, concluindo que os enxertos de Tilápia do Nilo estão associados a menor intensidade de dor geral, avaliada pela escala visual analógica, e uma reduzida necessidade de anestésicos em comparação ao tratamento convencional com creme de sulfadiazina de prata a 1% (51).

Além disso, Wallner et al. (2022) observaram que o tratamento combinado de desbridamento enzimático e Kerecis® Omega3 – pele de peixe, especificamente pele de bacalhau do Atlântico – resultou em menores índices de dor e coceira em comparação com o uso de Suprathel®, um copolímero sintético de ácido lático (PLA), poli(ε-caprolactona) (PCL) e polidioxanona (PDO). Na gestão de queimaduras pediátricas, a quantidade total de analgésicos necessária e a dor durante o tratamento mostraram-se equivalentes aos métodos de tratamento convencionais. Esses resultados consistentes sugerem que o xenoenxerto com pele de peixe pode ser uma opção clínica viável para casos selecionados, onde a redução de dor e desconforto pode melhorar a saúde e o funcionamento a longo prazo dos pacientes (52).

Um dos estudos selecionados propôs-se a realizar um ensaio clínico sobre a eficácia da utilização da pele da Tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus) como curativo biológico no tratamento de queimadura de 2º grau superficial e profundo em comparação ao curativo à base de hidrofibra com prata. A pele da Tilápia-do-Nilo foi aplicada no tratamento de 15 pacientes com queimaduras de 2º grau superficial e profundo. Com relação ao tempo de tratamento, o xenoenxerto obteve resultado semelhante às coberturas de prata (médias e desvio padrão de 9,6 ± 2,4 e 10,7 ± 4,5 dias, respectivamente). Ao final do tratamento, nova avaliação quanto a dor foi realizada e mais de 80% dos pacientes tratados com a pele de Tilápia-do-Nilo relataram sentir menos dor, com pontuações iguais ou inferiores a cinco na escala de dor. Este resultado é consideravelmente positivo em comparação com o grupo tratado com Aquacel-AG®, onde cerca de 46% dos pacientes relataram menos dor. Foi observado ainda que 60% dos pacientes tratados com Tilápia-do-Nilo não precisaram de substituições durante o tratamento. Em contraste, 53,3% dos pacientes tratados com hidrofibra com prata tiveram mais de uma substituição de curativos (53).

7. Curativo biológico irradiado

Os curativos biológicos irradiados (IBD), classe de coberturas analisadas em um dos artigos selecionados, são obtidos pelo processamento de pele de porco em finas folhas de pele que são embebidas com medicamentos contendo prata e então são irradiadas e esterilizadas com Cobalto-60. Esse tipo de cobertura possui características como baixa antigenicidade e boa compatibilidade com o tecido da ferida (54, 55).

No ensaio clínico conduzido por Zhang et al (2023) foram separados dois grupos, sendo submetido ao curativo tradicional e outro ao curativo biológico irradiado. Os curativos selecionados eram cobertos com gaze vaselinada e fixados com gaze estéril e curativo. No caso dos pacientes submetidos a IBD, o curativo era armazenado em freezer na temperatura de -18ºC e antes do uso era reaquecido e amolecido a 35ºC e após isso aplicado a superfície interna diretamente na ferida, usando gaze estéril e bandagem para curativo externo. Após 3 dias o curativo era trocado a primeira vez e observada a adesão ao IBD, se fosse satisfatória, era feito outro curativo até a cicatrização; se houvesse mais exsudação local, uma pequena incisão deveria ser feita em tempo para drenagem. Ao final do ensaio, o grupo tratado com IBD demonstrou resultados significativamente melhores em várias métricas. A pontuação de feridas secundárias foi notavelmente menor, indicando menos complicações na área afetada. Além disso, observou-se uma redução significativa na hiperplasia da cicatriz da ferida, sugerindo uma melhoria na qualidade da cicatrização. O tempo necessário para a cura das feridas também foi consideravelmente reduzido, refletindo uma eficácia maior no processo de recuperação. Adicionalmente, o conforto proporcionado pela cobertura do curativo foi avaliado como significativamente superior, oferecendo não apenas um tratamento mais eficaz, mas também uma experiência mais confortável para os pacientes (54).

Contudo, a ausência de efeito bactericida ativo dos IBDs sugere uma limitação no seu uso para feridas infectadas. Em suma, o IBD oferece um método eficaz para acelerar a recuperação de queimaduras de segundo grau, melhorando o conforto do paciente, diminuindo o risco de trauma secundário e cicatrizes, o que resulta numa melhoria significativa na qualidade de vida dos indivíduos afetados (54, 56).

Discussão

A presente revisão bibliográfica explorou a diversidade de curativos utilizados no tratamento de queimaduras, com o objetivo de identificar as metodologias mais eficazes e fornecer uma base sólida de conhecimento aplicável à prática clínica. A análise dos 19 estudos selecionados revelou uma diversidade significativa de metodologias e materiais, variando desde curativos biológicos irradiados até a aplicação de nanopartículas de prata e xenoenxertos de pele de peixe. Destacou-se também a gravidade das queimaduras como um problema de saúde pública global, especialmente em países de baixo a médio desenvolvimento, onde ocorrem mais de 90% dos casos.

No que se refere aos cuidados com as queimaduras, é importante ressaltar que existem vários tipos de curativos e produtos disponíveis no mercado. Contudo, devido à dinamicidade do processo de cicatrização da queimadura, não é possível utilizar um mesmo curativo durante todo o tratamento, sendo necessário reavaliá-lo constantemente, considerando fatores como custo, adequação à realidade pessoal, características e evolução da ferida. Algumas das propriedades que podem ajudar na escolha do curativo adequado incluem a não aderência, a redução da dor, o baixo custo, a atividade antimicrobiana, a capacidade de absorção e a ausência da necessidade de trocas frequentes, entre outras características.

Entre os principais tipos de curativos analisados, destacam-se os biossintéticos, os hidrogéis, os hidrocoloides, as hidrofibras, os curativos com prata nanocristalina, e os enxertos biológicos, como a pele de peixe. Esses curativos foram avaliados em termos de sua eficácia na promoção da cicatrização, capacidade absortiva, propriedades antimicrobianas, e impacto na dor e na necessidade de trocas frequentes.

Destacou-se na análise a eficácia dos curativos biológicos, como enxertos de pele e substitutos dérmicos, que demonstraram promover uma cicatrização mais rápida e com menor incidência de infecções em comparação aos curativos tradicionais. No entanto, os custos elevados e a necessidade de recursos especializados ainda são desafios a serem superados.

As tecnologias emergentes, como o uso de nanopartículas, mostraram-se promissoras ao melhorar a entrega transdérmica de medicamentos e agentes terapêuticos, oferecendo uma liberação controlada e sustentada que protege os agentes de proteólise intensa na ferida e melhora a bioatividade nos tecidos locais.

Um dos achados mais significativos foi a eficácia dos curativos biológicos, como a pele de Tilápia-do-Nilo. Estudos mostraram que esse tipo de curativo pode reduzir significativamente a dor e a necessidade de trocas frequentes, sendo uma alternativa promissora para o tratamento de queimaduras de segundo grau. Mais de 80% dos pacientes tratados com pele de Tilápia relataram menos dor e não precisaram de substituições constantes do curativo, indicando um potencial considerável para melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Além disso, a revisão revelou uma heterogeneidade regional na produção de pesquisas sobre curativos para queimaduras. A China se destacou com uma produção significativa de estudos, seguida por Brasil, Portugal, Áustria e Polônia. Essa diversidade geográfica reflete um interesse global em avançar as tecnologias de tratamento de queimaduras, demonstrando que a inovação nessa área é uma prioridade em várias partes do mundo.

Contudo, a revisão também identificou algumas lacunas no conhecimento atual. Embora existam muitos estudos sobre diferentes tipos de curativos, há uma necessidade de mais pesquisas clínicas comparativas de longo prazo para avaliar de forma robusta a eficácia dos curativos biossintéticos. Devido ao recorte temporal, o período pandêmico foi incluído na revisão, o que poderia justificar a prevalência de revisões no trabalho. Isso porque com os esforços científicos voltados à doença emergente, pouco se realizou em demais áreas. Além disso, uma dificuldade maior haveria devido ao isolamento nos estudos que envolviam estudo clínico com pacientes humanos.

Adicionalmente, a análise econômica do uso de diferentes curativos é limitada, impedindo uma avaliação completa do custo-benefício dessas tecnologias. Essa informação é crucial para a tomada de decisões em ambientes clínicos com recursos limitados.

 

Conclusão

As queimaduras variam amplamente em termos de profundidade, localização e extensão, o que exige uma abordagem personalizada para o tratamento. A escolha do curativo deve considerar não apenas a eficácia clínica, mas também fatores como conforto, facilidade de aplicação e remoção, e impacto na qualidade de vida do paciente.

Para aprimorar o conhecimento na área de queimaduras, são necessários estudos mais amplos e com maior rigor metodológico. Investigações futuras devem focar em ensaios clínicos randomizados e de longo prazo que comparem a eficácia dos diversos tipos de curativos em diferentes contextos clínicos. Além disso, é importante explorar o impacto econômico da utilização de curativos avançados, considerando os custos e os benefícios a longo prazo para o sistema de saúde e para os pacientes.

A constante evolução das tecnologias e materiais para curativos é crucial para enfrentar os desafios persistentes no tratamento de queimaduras. Inovações como curativos inteligentes e o uso de engenharia de tecidos prometem revolucionar o cuidado de queimaduras, oferecendo soluções mais eficazes e personalizadas. A colaboração interdisciplinar entre pesquisadores, profissionais de saúde e a indústria pode acelerar o desenvolvimento de novos produtos e técnicas que melhorem a qualidade de vida dos pacientes.

Em conclusão, os achados deste trabalho reforçam a importância de uma abordagem individualizada e baseada em evidências no tratamento de queimaduras. A integração de novas tecnologias e a realização de estudos adicionais são fundamentais para aprimorar as práticas clínicas e melhorar os resultados para os pacientes. As descobertas também sublinham a necessidade de um maior investimento em pesquisa e desenvolvimento, especialmente em regiões com recursos limitados, para garantir que todos os pacientes tenham acesso a tratamentos eficazes e de alta qualidade.

31 agosto, 2024