Análise retrospectiva de 28 anos da Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmão, Florianópolis, Brasil.
Mortality from burns in children: a 28-year retrospective analysis of the Burn Treatment Unit at Hospital Infantil Joana de Gusmão, Florianópolis, Brazil.
Maurício José Lopes Pereima, Md, PhD, Professor Titular de Cirurgia Pediátrica, Universidade Federal de Santa Catarina.*
Rodrigo Feijó, MD, Cirurgião Pediatra e Chefe da Unidade de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmão, Florianópolis.
Bruno Felipe Carvalho, MD, Universidade Federal de Santa Catarina
João Vitor Ternes Rech, MD, Universidade Federal de Santa Catarina
Professor Titular do Departamento de Pediatria
Universidade Federal de Santa Catarina
Campus Universitário David Ferreira Lima, Trindade
Florianópolis, Santa Catarina, Brazil
CEP 88.010-970
email ; mauricio.pereima@ufsc.br
tel +55 48 999488454
Resumo
Introdução: Nas últimas décadas houve um avanço importante no tratamento de pacientes vítimas de queimaduras, acarretando melhor prognóstico. Por sua vez, o estudo das causas de óbitos em pacientes queimados permite identificar os fatores que afetam sua sobrevivência e fornecem informações essenciais para o desenvolvimento de estratégias de prevenção, bem como determinar o impacto de novas terapias.
Objetivo: Analisar o perfil epidemiológico, as características clínicas, os procedimentos realizados e as causas de óbito nas crianças internadas na Unidade de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG), no período de Janeiro de 1991 a Março de 2019.
Método: Foi realizado um estudo retrospectivo, descritivo, baseado nos prontuários de 31 crianças, e analisado o perfil epidemiológico em relação ao sexo, idade, agente agressor, profundidade da queimadura, superfície corporal queimada (SCQ), cirurgias realizadas, suporte nutricional e ventilatório, terapia intensiva, intervalo livre, tempo de internação e sobrevida e causa do óbito.
Resultados: Do total de óbitos, 74,2% (IC95% 55,1-87,1) é do gênero masculino, 38,7% (IC95% 22,7-57,6) sofreram queimadura resultante da combustão por Álcool. Não houve diferença estatística em relação à faixa etária, procedência dos pacientes e intervalo livre. Por sua vez, 80,6% (IC95% 61,8-91,4) sofreram queimadura de espessura total, 48,4% (IC95% 30,8-66,4) teve mais de 60% da superfície corporal queimada, 96,8% (IC95% 78,4-99,6) internaram em Unidade de Terapia Intensiva, 87,1% (IC95% 68,9-95,3) foi colocado em suporte ventilatório e 87,1% (IC95% 68,9- 95,4) utilizou drogas vasoativas. Não houve diferença estatística em relação aos pacientes que receberam suporte nutricional. A proporção de óbitos por Choque séptico 64,5% (IC 95% 45,5-79,8) é estatisticamente superior a proporção de óbitos por DMOS primária 25,8% (IC 95% 12,9-44,9), Lesão respiratória 3,2% (IC 95% 0,04-21,6) e Parada Cardiorrespiratória decorrente de Choque elétrico 6,5% (IC 95% 1,5-23,9). Não houve diferença estatística no tempo de sobrevida até 7 dias ou mais. A taxa de mortalidade foi de 1,05%.
Conclusão: O perfil epidemiológico e as características clínicas dos pacientes que vão a óbito no HIJG é de um paciente do gênero masculino, que sofreu queimadura resultante da combustão por Álcool, que teve queimadura de espessura total e que acometeu mais de 60% da superfície corporal queimada. Além disso, internada na Unidade de Terapia Intensiva, que necessitou de suporte ventilatório e drogas vasoativas. A causa do óbito foi, principalmente, por choque séptico.
Palavras Chave: Queimaduras; Crianças; Mortalidade.
Abstract
Introduction: In the last decades, there has been an important advance in the treatment of burn victim patients, leading to a better prognosis. In turn, the study of the causes of death in burn patients allows identifying the factors that affect their survival and providing essential information for the development of prevention strategies, as well as determining the impact of new therapies.
Objective: To analyze the epidemiological profile, clinical characteristics, types of procedures and overall causes of death in children hospitalized for burn injuries at Joana de Gusmao’s Children Hospital between January 1991 and March 2019.
Material and Methods: Retrospective chart review of children <18 years old referred to a regional pediatric hospital for burn-related injuries, to determine the demographics in relation to sex, age, causative agent, burn depth, burned body surface (BBS), previous surgeries, airway and nutritional support, intensive care, time interval from injury to hospital care, length of stay, length of survival and cause of death.
Results: Of the total 31 deaths, 74.2% (95% CI 55.1-87.1) were males, from which 38.7% (95% CI 22.7-57.6) suffered from burn injuries resulting from alcohol combustion. There was no statistical difference over age, place of origin, and time interval from injury to hospital care. 80.6% (95% CI 61.8-91.4) of patients suffered from full-thickness burns, 48,4% (95% CI 30.8-66.4) had more than 60% of BBS, 96.8% (95% CI 78.4-99.6) were admitted to the ICU, 87.1% (95% CI 68.9-95.3) received assisted ventilation and 87.1% (95% CI 68.9-95.4) received vasoactive medication. There was no statistical difference in outcomes over nutritional support. The number of deaths resulting from septic shock 64.5% (95% CI 45.5-79.8) were statistically superior to the number of deaths that resulted from primary MODS 25.8% (95% CI 12.9-44.9), respiratory injury 3.2% (95% CI 0.04-21.6) and cardiopulmonary arrest after electrical injury 6.5% (95% CI 1.5-23.9). There was no statistical difference in survival time up to 7 days or more. Mortality rate was 1.05%.
Conclusion: The epidemiological profile and clinical features of pediatric patients who died from burn related injuries in the Joana de Gusmao Children’s Hospital are of a male patient that suffered from alcohol combustion related injuries, with full-thickness burn lesions affecting more than 60% of the total body surface area, admitted to the ICU, with the use of assisted ventilation and vasoactive drugs. The primary cause of death was by septic shock.
Key words: Burns; Children; Mortality.
- Introdução
Queimaduras são lesões traumáticas decorrentes, na sua maioria, de acidentes por agentes térmicos, químicos, elétricos ou radioativos (1). A queimadura é considerada um problema de saúde pública em vários países. Nos Estados Unidos é considerada a quarta maior causa de morte por trauma e a quinta causa de morte acidental no mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (2). No Brasil, as queimaduras são a segunda causa de morte na infância, o que as tornam um grande problema de saúde pública. Aproximadamente 1 milhão de casos de queimaduras acontecem no Brasil em um ano. Destes em torno de 2.500 irão falecer devido às consequências do trauma (3).
A superfície corporal queimada (SCQ) e a inalação de fumaça são preditores de mortalidade nas queimaduras (4). A profundidade da queimadura está relacionada diretamente com a mortalidade, tendo as queimaduras de espessura total pior prognóstico quando comparadas a de espessura parcial (5).
A mortalidade das queimaduras está diretamente relacionada a magnitude da resposta inflamatória, que se inicia com liberação de aminas vasoativas e prostaglandinas produzidas a partir do ácido aracdônico. Estes mediadores atuam na fase inicial de aumento da permeabilidade vascular produzindo edema. As plaquetas, por sua vez, liberam fator de crescimento plaquetário, que determina a marginização vascular e a migração de neutrófilos polimorfonucleares para o tecido queimado. No início a resposta imune é benéfica para o organismo e visa remoção de antígenos bacterianos pela fagocitose e eliminação de tecidos desvitalizados com a secreção de colagenases, hidrolases e estreptoquinases (6;7). Os macrófagos são os principais produtores dos mediadores inflamatórios. Assim, iniciando manifestações inflamatórias sistêmicas (8; 9). Esta resposta inflamatória, que se intensifica em algum momento, passa a ser também lesiva ao tecido sadio adjacente, com repetidas síndromes isquemia-reperfusão, liberação de agentes oxidantes, metabolitos do acido aracdônico e proteases, causando mais inflamação local, sistêmica e lesão tecidual, caracterizando a Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS) e a Disfunção de Múltiplos Órgãos e Sistemas (DMOS) primária, com translocação bacteriana, desenvolvimento de infecção e sepse (10). Além disso, a remoção precoce do tecido queimado diminui a liberação de mediadores inflamatórios e a colonização bacteriana, atenuando a SIRS, o que reduz os distúrbios metabólicos, sepse e falência dos órgãos (11,12).
Entretanto, pacientes pediátricos mesmo sendo um grupo especial podem sobreviver a queimadura – independente de sua extensão – com o uso de tratamento e técnicas modernas, devido a evolução no tratamento de queimaduras na última década. Reposição volêmica precoce, controle de infecções, suporte à resposta hipermetabólica, suporte nutricional, tratamento das lesões por inalação, além do tratamento cirúrgico mais precoce na queimadura de espessura total – com excisão do tecido queimado e na cobertura cutânea com enxerto autólogo, enxertos homólogos ou matrizes de regeneração dérmica – e uso de curativos biológicos em queimaduras de espessura parcial, são responsáveis pela melhora do prognóstico do paciente vítima de queimadura (4,9,11,12,13, 14). Assim, o estudo das causas de óbitos em pacientes queimados permite identificar os fatores que afetam sua sobrevivência e fornecem informações essenciais para o desenvolvimento de estratégias de prevenção, bem como determinar o impacto de novas terapias (15).
- Métodos
2.1. Casuística
Foi realizado um estudo retrospectivo, descritivo e transversal, com análise de prontuários de crianças internadas no Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG) e que foram a óbito no período de 01 de Janeiro de 1991 a 31 de Março de 2019, totalizando 28 anos de estudo.
2.2. Procedimentos
O perfil dos pacientes que internaram com diagnóstico de queimadura e foram a óbito foi avaliado através de uma ficha de coleta de dados contendo as variáveis epidemiológicas, realização de enxertias e/ou desbridamentos, suporte nutricional, assistência ventilatória, tempo de internação em UTI, necessidade de transfusão de elementos do sangue, tempo de internação e de sobrevida, causa do óbito, complicações ocorridas.
O ponto de corte, para esta análise, foi de 8 horas, pois nesse período é quando ocorrem as reações de fase aguda, com maior necessidade de aporte de volume, sendo classificadas em menos de 8 horas, mais de 8 horas e tempo indeterminado.
O tempo de internação foi considerado o período de tempo, em dias, compreendido entre a admissão da criança no HIJG e a ocorrência do óbito e o tempo de sobrevida foi considerado a soma do intervalo livre com o tempo de internação. O ponto de corte foi de 7 dias, tempo que divide a Disfunção Múltipla de Órgãos e Sistemas em primária e secundária.
A superfície corporal queimada foi avaliada pelo diagrama de Lunb e Browder(16). classificação da profundidade da queimadura foi caracterizada pela lesão de maior profundidade presente no momento da admissão a e o diagnóstico da profundidade foi estabelecido inicialmente por critérios clínicos (17,18,19).
Foram considerados como desbridamentos somente os pacientes que realizaram em centro cirúrgico. Os dados não registrados nos prontuários foram considerados como indeterminados.
As afecções relacionadas com a mortalidade dos pacientes queimados foram definidas como Disfunção de Múltiplos Órgãos e Sistemas (DMOS) primária e DMOS secundária e Choque Séptico (18).
2.3 Análise Estatística
Os dados foram arquivados, compilados, catalogados utilizando o programa Microsoft Excel. Testado a comparação entre proporções com Chi-Squared test. Quanto ao intervalo de confiança (IC), foi adotado o parâmetro de 95% (IC 95%), com nível de significância de p< 0,05. Foram calculados os IC95% considerando somente os dados válidos.
Aspectos Éticos
O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Hospital Infantil Joana de Gusmão em 29 de Maio de 2019, sendo o número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 13034719.0.0000.5361.
- Resultados
No período de janeiro de 1991 a março de 2019, 2939 crianças foram internadas no Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG) com diagnóstico de queimaduras e 31 evoluíram para óbito, representando uma taxa de mortalidade de 1,05%.:
Os óbitos decorrentes das queimaduras por combustão do Álcool 38,7% (IC95% 22,7-57,6) representaram uma proporção estatisticamente superior a proporção de óbitos por Gasolina 3,2% (IC95% 0,4-21,6) e Inalação de fumaça 3,2% (IC95% 0,4-21,6), conforme a Tabela 4.
Não existem diferenças significantes nas proporções de óbitos segundo o intervalo livre, sendo até 8 horas da chegada ao HIJG.
Os casos de óbitos por queimaduras de espessura total 80,6% (IC95% 61,8-91,4) foram estatisticamente superiores aos óbitos de lesões de espessura parcial profunda 19,4% (IC95% 8,5-38,1), conforme a Tabela 7. Assim como, o número foi significativamente maior nos pacientes que tiveram mais de 60% da SCQ 48,4% (IC95% 30,8-66,4) em relação as categorias 0-10%, 10-20%, 20-30% e indeterminado, conforme a Tabela 8.
A proporção de óbitos em pacientes que receberam suporte ventilatório – 87,1% (IC95% 68,9-95,3) – é estatisticamente superior a proporção de óbitos em pacientes que não o receberam, conforme a Tabela 9 e a Figura 1.
Não houve diferenças significantes nas proporções de óbitos segundo o tempo de sobrevida entre as categorias até 7 dias 51,6% (IC95% 33,6-69,2) e sobrevida mais de 7 dias 48,4% (IC95% 30,7-66,4), conforme a Tabela 10.
A proporção de óbitos por Choque séptico 64,5% (IC 95% 45,5-79,8) é estatisticamente superior a proporção de óbitos por DMOS primária 25,8% (IC 95% 12,9-44,9), Lesão respiratória 3,2% (IC 95% 0,04-21,6) e Parada Cardiorrespiratória decorrente de Choque elétrico 6,5% (IC 95% 1,5-23,9), conforme a Tabela 11.
4. Discussão
As taxas de mortalidade (TM) do paciente queimado vêm reduzindo devido aos avanços no tratamento em centros especializados (14; 20). No entanto, continuam significativas, principalmente em crianças, idosos e em grande queimados (21; 22). A análise das 2939 crianças internadas na UTQ do HIJG mostrou uma TM de 1,05%, o que corresponde a uma das menores taxa taxas dentre os trabalhos analisados que variaram de 0,38% a 29,3% (11; 20; 22-32). Estes trabalhos em sua maioria analisam adultos e crianças, portanto os CM são maiores. Quando se analisa exclusivamente a população pediátrica, como no presente trabalho, são esperados índices menores. Neste estudo o CM de 1,05% foi menor comparado a outros estudos também realizados no HIJG que variaram de 1,69% a 1,79% (6; 15; 33), relacionado a protocolos bem estabelecidos e porque nos lactentes a maioria das queimaduras ocorreram por escaldamento, que por sua vez determinam lesões de espessura parcial superficial e parcial profunda, além de sua extensão acometer, principalmente, o tronco superior (6; 23; 34-37).
Em relação ao gênero, existe uma prevalência do sexo masculino (22; 24; 27; 30; 35; 38). A proporção de óbitos em pacientes do sexo masculino foi de 74,2% (IC95% 55,1-87,1), estatisticamente superior, conforme a Tabela 1, o que corrobora também estudos prévios realizados no HIJG (6; 15; 33). Esta prevalência se deve como o sexo masculino se desenvolve, independente, com brincadeiras e atividades que geram maior para acidentes, principalmente no ambiente externo, com líquidos inflamáveis (26; 35; 37; 39). A faixa etária predominante foi a de pré-escolares (35,5%), seguida pelos escolares (25,8%), conforme a Tabela 2. A diminuição dos casos de óbitos em púberes e pré-puberes pode ser explicada pelo aprendizado da criança, quanto à noção do perigo, além do ganho de força e agilidade (6; 39).
Ao analisar os pacientes quanto a procedência, não existem diferenças estatísticas nas proporções de óbitos entre as mesorregiões do Estado de Santa Catarina. As variadas procedências dos pacientes atendidos demonstram ainda a carência de serviços de atendimento do paciente queimado no Estado. Como o HIJG é um centro de referência, ele recebe, de todas as mesorregiões, pacientes com extensas queimaduras ou que apresentam complicações durante o tratamento e que necessitam de tratamento especializado (6). Nestes 28 anos de estudo foi observado que os líquidos inflamáveis foi o agente etiológico predominante, sendo que o álcool foi o principal agente causal (38,7% – IC95% 22,7-57,6) é estatisticamente superior (Tabela 4). Há uma maior porcentagem de acidente por álcool, pois culturalmente, no Brasil, o álcool é utilizado livremente no ambiente doméstico, como produto de limpeza e também como líquido inflamável para acender as churrasqueiras e vendido livremente em supermercados ou mercearias, inclusive para crianças. Além disso, é facilmente adquirido e é guardado em lugares com fácil acesso, o que aumenta a chance da criança ter acesso a esse tipo de produto e sofrer acidentes (39; 40). Outro fator que torna importante os acidentes por álcool, decorre do fato da combustão do agente frequentemente explodir e atingir uma extensa área do corpo, mesmo com pequeno volume do líquido (39; 41).
Segundo Pícolo et al (39) as crianças entre 3 a 5 anos tem interesse, principalmente, pelo fogo, já as crianças de 5 a 9 anos de idade costumam brincar com fósforos e outros materiais inflamáveis e somente após essa idade a criança começa a ter conhecimento sobre sua segurança. Outro fator importante para acidentes é devido decorrente de a criança estar próxima do adulto que utiliza o álcool liquido para combustão, acendendo churrasqueiras, fornos à lenha e fogueiras (39).
A superfície corporal queimada (SCQ) e a profundidade da lesão estão associadas ao aumento da mortalidade, principalmente quando a SCQ é superior a 60%, o que foi evidenciado neste estudo e reconhecido pelos estudos analisados (9; 22; 26; 30; 35; 42). A proporção de óbitos em pacientes que tiveram acometimento de mais de 60% da SCQ 48,4% (IC95% 30,8-66,4) é estatisticamente superior que a proporção de óbitos em pacientes nas categorias 0-10%, 10-20%, 20-30% e indeterminado (Tabela 8). Nos grupos com até 40% da SCQ que foram a óbito, apesar de menor superfície corporal atingida, tiveram fatores de complicação como queimaduras de espessura total e/ou evoluíram com infecção da ferida e/ou inalaram fumaça (6).
Pacientes vítimas de queimaduras de espessura total apresentaram índice maior de mortalidade, de acordo com a literatura pesquisada (4; 22; 35). A proporção de óbitos em pacientes com queimaduras de espessura total 80,6% (IC95% 61,8-91,4) é estatisticamente superior a proporção de óbitos em pacientes com espessura parcial profunda 19,4% (IC95% 8,5-38,1), conforme Tabela 7.
A excisão cirúrgica e fechamento precoce são importantes no controle de infecção da ferida da queimadura. No entanto impõe algumas limitações para aplicação da técnica (4; 11; 20). Neste estudo, apesar da maioria das queimaduras de espessura total (80,6%), 45,2% dos pacientes analisados receberam tratamento cirúrgico como desbridamento e/ou enxertia (Tabela 9 e Figura 1). Muitas das crianças foram a óbito antes de terem estabilidade clínica para realizarem o tratamento cirúrgico, por conta da DMOS primária.
Por ser um centro de referência, os pacientes internados no HIJG tiveram um suporte avançado no tratamento de grandes queimados, com internação em Unidade de Terapia Intensiva (96,8%), 87,1% recebeu suporte com ventilação mecânica, 87,1% necessitou de droga vasoativa, 61,3% recebeu transfusão de elementos sanguíneos e 64,5% teve suporte nutricional. A proporção de óbitos em pacientes que receberam suporte ventilatório 87,1% (IC95% 68,9 -95,3) é estatisticamente superior a proporção de óbitos em pacientes que não receberam, assim como a de pacientes internados em UTI 96,8% (IC95% 78,4- 99,6) comparado aos que não internaram e nos pacientes que foram a óbito e necessitaram de drogas vasoativas 87,1% (IC95% 68,9-95,4) em comparação aos pacientes que não receberam ( Tabela 9 – Figura 1).
No intervalo livre de 8 horas após a queimadura, há maior permeabilidade vascular do paciente queimado, com grande perda de líquido, eletrólitos e proteínas para o extravascular, acarretando choque no paciente (4; 7). É fundamental para o prognóstico do paciente que a reposição de volume seja feita como primeira medida já na cidade de origem (6). Neste estudo, a maioria dos pacientes teve o intervalo livre maior que 8 horas (61,3%), correspondendo a pacientes graves, que evoluíram com complicações decorrentes da queimadura e necessitaram de cuidados intensivos. Os pacientes que tiveram o intervalo livre menor de 8 horas (48,4%) também necessitaram de tratamento especializado, porém em sua maioria são crianças de cidades próximas ao centro de referência. Não houve diferenças estatisticamente significativas nos pacientes que chegaram ao HIJG com intervalo livre até 8 horas 48,4% (IC95% 30,8-66,4) ou com mais de 8 horas ( Tabela 6).
As causas de óbitos em grandes queimados têm uma distribuição bimodal. Após a queimadura, a DMOS primária pode ser consequência da inadequada reposição volêmica, acarretando em insuficiência renal aguda ou necrose tubular aguda, ou ainda, da lesão respiratória decorrente da inalação de fumaça (6; 15; 33). Ao analisar a sobrevida dos pacientes e a causa do óbito, percebe-se que dos pacientes com até 7 dias de sobrevida a maioria foi a óbito por DMOS primária, sendo que nesse grupo também tiveram 2 casos de óbito por PCR decorrente de choque elétrico.
Superada a fase aguda da queimadura, a principal causa de óbito no paciente grande queimado passa a ser a DMOS secundária, decorrente da infecção e sepse. Por conta disso, a tendência em estabilizar o mais cedo possível o paciente e realizar a excisão tangencial do tecido queimado e sua cobertura para diminuir a chance de infecção (7; 20;29). Nos pacientes com sobrevida maior que 7 dias, a maioria foi a óbito decorrente de choque séptico.
Balmelli et al (29)em seu estudo de 34 pacientes que foram a óbito 28 (82%), refere a infecção como causa principal do desfecho. Também na maior parte da literatura pesquisada, a principal causa de óbito em grande queimado foi o choque séptico, seguido por DMOS, lesão respiratória, insuficiência renal e hemorragia digestiva (7; 20; 29). A proporção de óbitos por choque séptico 64,5% (IC95% 45,5-79,8) é estatisticamente superior a proporção de óbitos por DMOS primária 25,8% (IC95% 12,9-44,9), lesão respiratória 3,2% (IC95% 0,04-21,6%) e parada cardiorrespiratória decorrente de choque elétrico 6,5% (IC95% 1,5-23,9), não houveram outras diferenças estatisticamente significativas nas proporções de óbito segundo a causa do óbito, conforme a Tabela 11.
Cabe destacar que as queimaduras elétricas são uma importante causa de morbidade e mortalidade no mundo, são menos comuns que outros tipos de queimaduras, sendo responsável por 9% do total de queimaduras. A causa mais comum de óbito do paciente que sofre o choque elétrico é a parada cardíaca secundária a arritmia cardíaca (9; 43). Neste estudo 2 pacientes foram a óbito (6,5%) por parada cardiorrespiratória, decorrente da queimadura elétrica, que determina também a sua pequena incidência na faixa pediátrica (Tabela 11).
Da mesma forma, as lesões por inalação de gases tóxicos e produtos de combustão são fatores importantes de pior prognóstico para o paciente (4; 9; 11; 22; 30; 42; 44). Neste estudo, houve 1 óbito por lesão respiratória (3,2%) decorrente da inalação de fumaça (Tabela 11).
Os resultados deste estudo e da literatura analisada chamam a atenção sobre a necessidade de programas de conscientização e da prevenção de queimaduras (30), focando principalmente sobre a venda e comercialização do álcool e seu uso diário na vida do brasileiro (35; 41). A taxa de mortalidade e os altos gastos com o paciente grande queimado, aliado as seqüelas físicas e emocionais dos sobreviventes (23; 31) justificam a necessidade das medidas de prevenção (22).
5. Conclusão
1. As crianças internadas no HIJG, que vão a óbito decorrente de queimaduras, têm perfil epidemiológico predominante de um paciente do gênero masculino, que sofreu queimadura resultante da combustão por álcool.
2. As características clínicas do paciente que evolui a óbito no HIJG vítima de queimadura é de um paciente que sofreu uma queimadura de espessura total e que teve mais de 60% da superfície corporal queimada. Além disso, necessitou de internação em Unidade de Terapia Intensiva com suporte ventilatório e uso de drogas vasoativas.
3. A causa do óbito dos pacientes internados no HIJG vítimas de queimaduras foi principalmente por Choque Séptico.
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